sexta-feira, 25 de maio de 2012

Sobre Versão Cefálica Externa (VCE)


                                                                                                       Por Melânia Amorim*

Cerca de 3% dos bebês chegam ao termo em apresentação pélvica. Embora o parto normal seja possível nesses casos, há um aumento do risco relativo de morbidade e mortalidade perinatal e o prognóstico dos bebês pélvicos, independente da via de parto, é ligeiramente pior do que o de bebês cefálicos. Na revisão sistemática da Cochrane sobre cesariana vs. parto vaginal programado para os casos de apresentação pélvica, a mortalidade perinatal foi de 0,26% e 1,15%, respectivamente.

Tentando prevenir o nascimento de um bebê em apresentação pélvica, várias alternativas têm sido propostas, desde medidas posturais (exercícios), uso de moxabustão, acupuntura e a versão cefálica externa (VCE).

A versão cefálica externa consiste na manobra de reposicionar o bebê que se encontra em apresentação pélvica, "virando-o" dentro da barriga através de movimentos manuais combinados com pressão no abdome materno. Era um procedimento relativamente comum na Obstetrícia do passado, mas durante as décadas de 70/80 sua popularidade caiu muito entre os obstetras, devido a alguns relatos e séries de caso demonstrando efeitos adversos. É por isso que muitos obstetras, ainda hoje, condenam o procedimento.

No entanto, estudos mais recentes, a partir da década de 90, têm demonstrado as vantagens do procedimento, desde que realizado por pessoas experientes, com avaliação ultrassonográfica prévia, sugerindo-se o uso prévio de tocolíticos (drogas para diminuir a contratilidade uterina) e a monitoração da vitalidade fetal depois do procedimento. Uma revisão de 44 estudos com 7377 pacientes que se submeteram a uma tentativa de VCE evidenciou que a a complicação mais frequentemente relatada foi alteração transitória da frequência cardíaca fetal (em torno de 6%). Complicações menos frequentes foram sangramento vaginal (0,5%), descolamento prematuro da placenta (0,1), cesariana de emergência (0,4%) e mortalidade perinatal (0,16%) (Collaris 2004). Devido ao risco de isoimunização Rh, a profilaxia com imunoglobulina anti-D é recomendada para gestantes Rh-negativas que se submetem ao procedimento.

Duas revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane estão disponíveis abordando a VCE no termo e pré-termo. Na primeira revisão (2009), foram incluídos sete estudos, com 1245 mulheres. Observou-se uma redução significativa dos nascimentos não cefálicos (RR=0,46; IC 95%=0,31 - 0,66) e de operação cesariana (RR=0,63; IC 95% = 0,44 - 0,90), sem diferença significativa nos escores de Apgar, pH do sangue do cordão, admissão em UTI e morte perinatal. A taxa de cesariana foi de 19,4% no grupo submetido a versão e de 29,6% no grupo não submetido ao procedimento.

Chama a atenção que a taxa de cesariana, apesar de se reduzir significativamente com a VCE, ainda persiste relativamente elevada (em torno de 20%) em mulheres submetidas a VCE bem sucedida, quando comparadas com mulheres com bebês em apresentação cefálica espontânea (taxa de cesárea em torno de 6%) em diversos estudos, sugerindo que alguma sutil anormalidade subjacente, do concepto, do cordão ou da anatomia pélvica podem estar associadas à apresentação pélvica persistente no termo. No entanto, como os grandes estudos observacionais sugerem que complicações do procedimento são raras e que a VCE reduz tanto a chance de nascimento não cefálico como de cesariana, os autores da revisão Cochrane sugerem que há fortes razões para o uso clínico da VCE a termo, com as devidas precauções, em qualquer mulher para quem a chance aumentada de um nascimento cefálico supera os riscos do procedimento.

Em outra RS Cochrane avaliando os efeitos da VCE pré-termo (antes de 37 semanas), comparou-se uma política de VCE iniciando-se entre 34 e 35 semanas com a não-realização de VCE ou VCE a termo. Comparada com nenhuma tentativa de VCE, VCE antes do termo reduz o risco de nascimentos não-cefálicos. Comparada com a VCE a termo, iniciar VCE entre 34 e 35 semanas parece ter algum benefício em termos de reduzir a taxa de apresentação não cefálica e cesariana. No entanto, como a metodologia dos estudos incluídos variou bastante e os dados foram insuficientes para avaliar complicações, os autores sugerem que, apesar de essas evidências serem promissoras, não são adequadas para apoiar uma política de iniciar VCE antes do termo. Como os resultados da VCE a termo já estão bem estabelecidos, até que novas pesquisas forneçam evidências mais conclusivas em torno da segurança da VCE antes do termo, recomenda-se que o procedimento seja oferecido depois de 37 semanas de gravidez para mulheres com feto único em apresentação pélvica e sem contraindicações.

As contraindicações para VCE são: gravidez múltipla, malformações fetais graves, vitalidade fetal comprometida ou morte fetal, outra indicação de cesárea independente da apresentação (p.ex. placenta prévia) e membranas rotas. Contraindicações relativas incluem cesárea anterior, restrição do crescimento fetal e sangramento uterino, porém as evidências não são suficientes para proibir a versão nesses casos.

O procedimento para versão cefálica externa é relativamente simples, e pode ou não ser monitorado por ultrassonografia. Alguns métodos podem ser utilizados para aumentar a chance de sucesso da versão, mas o mais comum e que oferece bons resultados é o uso de terbutalina (250mcg SC 15 a 30 minutos antes do procedimento) para diminuir a contratilidade uterina. Quando uma primeira tentativa de versão falha, mesmo com terbutalina, recomenda-se repetir o procedimento sob anestesia raquidiana, que promove o relaxamento da parede abdominal e aumenta as chances de sucesso.

Várias organizações recomendam que a VCE seja oferecida a todas as mulheres com apresentação pélvica a termo, como por exemplo o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), a Royal Dutch Organization for Midwives (KNOV) e a Dutch Society for Obstetrics and Gynaecology (NVOG).

Em suma, apesar de alguns obstetras ainda acreditarem que o procedimento é obsoleto e não deve mais ser adotado, todo um corpo de evidências nos últimos 20 anos tem demonstrado o contrário. A versão cefálica externa deve ser incorporada à prática obstétrica, uma vez que reduz expressivamente tanto os nascimentos não cefálicos como as taxas de cesariana. Em uma época em que muitos obstetras perderam a habilidade de conduzir adequadamente partos pélvicos, a VCE surge como uma alternativa atraente e segura para mulheres com bebês em apresentação pélvica que querem ter parto normal, mas não estão seguras ou não encontram obstetras dispostos a prestar assistência ao parto pélvico.


* Melania Amorim, MD, PhD Currículo Lattes Médica formada pela UFPB Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo IMIP Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP Doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP Pós-doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP Pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS Professora de Ginecologia e Obstetrícia da UFCG Professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do IMIP Colaboradora da OMS e revisora da Biblioteca Cochrane.

Parto na água: tabus e fatos.



O parto na água ainda é um grande tabu para a maioria dos médicos e maternidades do Brasil. Por ser uma alternativa pouco conhecida por aqui, costumar estar envolta numa aura de mistério e cercada de mitos sem nenhum fundamento científico. Conheça alguns deles.

Mito nº 1 – O bebê pode se afogar.
Não é verdade. O bebê está imerso em líquido no interior do útero. Quando o parto acontece dentro d’água, ele passa suavemente de um meio líquido para outro. No tempo em que está submerso, que se resume a alguns instantes, o recém-nascido continua recebendo oxigênio por meio do cordão umbilical. Logo após o nascimento, o médico, a parteira ou a própria mãe o trazem à superfície. O contato com o ar dispara o primeiro choro. Só então seus pulmões começam a funcionar.

Mito nº 2 – Não há estrutura para esse tipo de parto nas maternidades brasileiras.
Desculpa esfarrapada. O que falta no Brasil são médicos que saibam acompanhar esse tipo de parto. Mesmo porque não há necessidade de estrutura especial. Mundialmente conhecido por sua atuação em prol da humanização da assistência ao parto e autor de vários livros sobre o tema, o obstetra francês Michel Odent introduziu o uso da água no trabalho de parto para atender a um desejo recorrente das mulheres que davam à luz na maternidade pública de Pithiviers, na França, onde era diretor. Odent e sua equipe começaram a realizar partos na água de maneira provisória, numa piscina de plástico. Somente depois foi instalada uma banheira redonda, grande, embutida no chão. No Brasil, muitos partos domiciliares acontecem em banheiras infláveis próprias para essa finalidade, como a La Bassine, da marca inglesa Made in Water, ou de forma improvisada, em qualquer piscina infantil.

Mito nº 3 – Há risco de contaminação, pois as banheiras não são higienizadas adequadamente.
Embora seja um discurso comum, a contaminação não encontra respaldo na realidade. No livro O renascimento do parto, Michel Odent relata que nunca se deparou com infecções ou complicações associadas ao parto dentro d’água em sua experiência à frente da maternidade de Pithiviers. “Os germes perigosos não estão na água de torneira. A mãe e o bebê, que partilham dos mesmos anticorpos, têm uma resistência especial aos germes que circundam o corpo da mãe”, escreveu o obstetra em Água e sexualidade.
Se você pensa em ter um parto na água, é importante considerar o seguinte:
1. Pouquíssimos profissionais oferecem esse tipo de assistência no Brasil, ainda restrito aos médicos e enfermeiras que seguem a linha humanizada. Quando questionados sobre essa possibilidade, os obstetras convencionais costumam desencorajar ou mesmo ridicularizar essa prática, ainda que com base em crenças e argumentos questionáveis.
2. O uso da água no trabalho de parto não combina com o pacote de intervenções presentes no parto normal hospitalar padrão, como administração de sorinho (ocitocina sintética), o monitoramento fetal eletrônico contínuo (cardiotocografia),  a anestesia e a episiotomia. Se o profissional afirmar que faz parto na água e ao mesmo tempo demonstrar que não abre mão desses procedimentos de rotina, há algo errado em seu discurso.
3. A maioria dos hospitais brasileiros não aceita o parto na água. O fato de dispor de suíte de parto normal com banheira não significa que você possa ter o bebê dentro d’água.
4. O melhor é encarar o parto na água como uma possibilidade, não um objetivo: há mulheres que têm esse sonho e, quando chega a hora, não se sentem confortáveis para dar à luz no meio líquido. “A atração pela água durante o trabalho de parto varia consideravelmente de uma mulher para outra e não pode ser medida nem prognosticada. Não há nenhum paralelo com a atração pela água na vida diária”, ensina o obstetra francês Michel Odent no livro Água e sexualidade, leitura fundamental para quem se interessa pelo assunto.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Homens também podem ter depressão pós-parto.




Pode parecer estranho, mas uma pesquisa realizada na Austrália acaba de revelar que homens também podem sofrer de depressão pós-parto. “O estudo mostra que os pais estão vulneráveis, pois sofrem com a privação de sono, a perda de autonomia e as novas responsabilidades”, disse o co-autor do estudo Jan Nicholson ao jornal britânico “The Telegraph”, sobre os efeitos da chegada de um bebê à família.

Ainda de acordo com a análise, pais jovens tendem a apresentar mais o problema: homens com 30 anos ou menos apresentam cerca de 40% de chances de passar por essa instabilidade. “Precisamos detectar esses indivíduos e tratar o mais cedo possível, porque sabemos que distúrbios mentais são mais difíceis de tratar depois de um tempo prolongado”, afirmou o estudioso.

Nicholson e sua equipe estudaram pais com filhos entre três e 12 meses, dois e três anos e quatro e cinco anos e concluíram que cerca de 9,7% dos homens sofre de depressão pós parto no ano inicial de vida do filho, enquanto 9,4% das australianas apresentam o problema.